Vice-presidente norte-americano chega hoje ao Brasil; na pauta dos assuntos estratégicos que serão tratados com o governo brasileiro está o uso da Base de Alcântara, no Maranhão, pela Nasa para o lançamento de satélite
BRASÍLIA - O Centro de Lançamento de Alcântara ( CLA), no Maranhão, está na pauta dos assuntos estratégicos que serão discutidos hoje, 26, pelo vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, com o presidente Michel Temer. O encontro está marcado para meio-dia no Palácio do Planalto. Pence viaja amanhã, 27, para Manaus e vai visitar um dos abrigos construídos para receber venezuelanos. A visita à Casa de Acolhimento Santa Catarina está marcada para 11h.
As tratativas sobre salvaguardas tecnológicas envolvendo o CLA e Nasa - agência espacial norte-americana - voltou à mesa de negociações dos dois países recentemente.
“Se pretendemos fazer no futuro essa utilização comercial da base de lançamento de satélites é claro que as condições em que o material ingressa em território brasileiro tem que estar coberto por salvaguardas legais”, explicou o subsecretário-geral do Itamaraty, Fernando Simas Magalhães.
O interesse pela utilização da base para lançamento de satélites está na economia que o espaço permite em função das sua localização geográfica, próxima a linha do Equador. “Isso permite que um satélite possa ser lançado com 30% a mais de carga ou com economia de 30% de combustível. Alcântara oferece uma enorme atratividade para essa atividade que movimenta centenas de bilhões de dólares em todo o mundo. Se pudermos criar as condições para utilização comercial efetiva vamos entrar em um filão de mercado extraordinário”, avaliou Fernando Simas.
No início deste mês, os Estados Unidos deram o sinal verde para renegociar com o Brasil os termos de um acordo tecnológico que pode finalmente viabilizar o uso do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão.
É a primeira vez que os americanos aceitam retomar o assunto, depois que o Congresso Nacional rejeitou, há 16 anos, uma polêmica proposta que "blindava" a tecnologia estrangeira para lançar foguetes. Mas, em tese, também abria uma brecha para tirar do Brasil a soberania sobre áreas inteiras dentro da base de lançamento.
A retomada das negociações é um passo importante: significa que diversos organismos americanos aceitaram negociar. Como nos EUA este tipo de acordo não precisa passar pelo Congresso, é uma carta-branca para que o Departamento de Estado negocie.
Esta etapa inicial é a mais difícil de ser obtida e, nos últimos 16 anos, os EUA se recusaram duas vezes a chegar a este passo. Os EUA são os maiores produtores de componentes espaciais, cujo conteúdo é protegido por razões comerciais e de estratégia militar - lançadores e satélites têm tecnologia de uso bélico. Por isso, o acordo com os americanos é condição para qualquer parceria no setor espacial que tenha chances de prosperar.
Negociações
O ministro de Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, confirmou a nova etapa das negociações e reconheceu que, sem um entendimento com os americanos, o centro de Alcântara não é viável.
"Acordamos de retomar as negociações para acorde de salvaguardas tecnológica com vistas à utilização da base de Alcântara. Se você não tiver um acordo que garanta a propriedade intelectual dos foguetes e dos satélites que serão lançados, nenhum satélite e nenhum foguete poderá ser lançado, pois a grande maioria dos lançamentos carregam tecnologia americana. O que eles querem é a defesa de seus segredos comerciais, o que é legítimo. E nós estamos discutindo sobre como exercer esta defesa sem que haja nenhuma violação à nossa soberania", afirmou o chanceler brasileiro.
De acordo com o chanceler, a decisão é dar velocidade para as negociações. "Nós estamos começando a discussão para ver quais pontos podem ser mantidos e onde é possível mudar, vendo as convergências e eventuais dificuldades. Mas o fato é que isso ficou parado por muitos anos e estamos retomando agora. Não tem prazo (para concluir a negociação). Tem prazo para começar rapidamente".
A nova minuta de acordo levada pelo Brasil a Washington traz duas mudanças essenciais ao modelo que fracassou em 2002: altera a forma como a tecnologia americana ficaria protegida em solo brasileiro e o conceito sobre como deve ser usado o dinheiro resultante dos serviços de lançamento de satélites.
Área física
A primeira novidade acaba com a limitação de uma área física, dentro do centro de Alcântara, onde apenas funcionários contratados pelos americanos poderiam circular, cláusula que gerou enorme polêmica no passado. A proposta, agora, prevê a livre circulação de brasileiros, porém com restrições rígidas ao manuseio de contêineres com equipamentos de tecnologia sensível.
O outro ponto diz respeito à aplicação de recursos oriundos da atividade espacial. Na versão inicial, o Brasil não poderia reverter em investimentos para o setor uma eventual receita produzida com o serviço de lançamento de satélites. No novo rascunho, esta vedação foi suprimida.
Os EUA já encaminharam suas avaliações para análise brasileira. "Temos boas expectativas do ponto de vista técnico. Estamos em condições de ainda fazer pequenos ajustes na questão territorial para entrar em entendimento. Essas mudanças resguardam a tecnologia estrangeira sem afetar a nossa soberania. Estamos seguros quanto a isso", afirmou uma fonte brasileira, sob a condição do anonimato.
Os americanos têm acordos desta natureza com vários países, como parte do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). No caso brasileiro, interessa aos Estados Unidos uma redação semelhantes à adotada para cooperar no setor espacial com a Índia e a Nova Zelândia. Um outro negociador brasileiro afirma que a minuta em debate hoje é "muito parecida com o acordo com a Nova Zelândia".
Mercado
Este acordo interessa muito mais ao Brasil do que aos EUA, que já têm o mais relevante programa espacial do planeta e hoje prioriza missões de alcança interplanetário, como a Orion, que pretende fazer o homem retornar à Lua ou chegar a Marte. Para o governo brasileiro, o acordo com os EUA é a chance de tirar do ostracismo uma base de lançamento que tem como trunfo a localização privilegiada no globo, capaz de alcançar o espaço percorrendo menor distância e, portanto, com economia de propelente.
Aqui, um detalhe: o tempo corre contra o Brasil. Se demorar muito para explorar Alcântara, novas tecnologias, como a lançamento de foguetes a partir de aviões, devem se consolidar, reduzindo a vantagem competitiva da base brasileira.
Questão política
O problema é que, para viabilizar o acordo, além do aval da Secretaria de Estado dos EUA, é preciso da aprovação do texto pelo Congresso Nacional, envolto no debate eleitoral e acuado pela Lava-Jato. Diplomatas brasileiros reconhecem que o assunto "soberania" sempre vem a reboque dos debates sobre o uso de Alcântara.
Autoridades envolvidas nas negociações afirmam que o tema foi muito ideologizado e que há uma visão errônea de que o acordo poderia ferir a soberania nacional. Além do argumento de que este tipo de acordo existe com todos os países que esta capacidade de lançamento - inclusive a Rússia -, os defensores do tratado com os americanos afirmam que isso colocaria o Brasil no rol dos 10 países que poderiam deter toda a cadeia do programa espacial. Além disso, o acordo tende a atrair para o Brasil uma cadeia de empresas americanas no setor aeroespacial. Hoje, há muito mais europeus que americanos no polo tecnológico de São José dos Campos (SP).
Sobre uma possível dificuldade para aprovar o acordo no Congresso Nacional, o ministro se mostrou otimista. "Essa questão sobre se retomar este acordo é hoje em dia bastante pacificado no Brasil, dois ministros da Defesa, e um ministro das Relações Exteriores dos governos Lula e Dilma disseram na Comissão de Relações Exteriores (do Senado) que é positivo para o Brasil retomar este tema".
MOMENTO É CONSIDERADO FAVORÁVEL POR NEGOCIADORES
Negociadores afirmam que o atual momento favorece o acordo. Se no início dos anos 2000 tratava-se apenas de uma iniciativa governamental, agora há interesse de empresas privadas dos dois países. E isso ocorre porque, com a tecnologia, os satélites estão ficando menores e podem ser lançados de veículos lançadores médios. Assim, além do uso comercial de Alcântara, o acordo pode impulsionar o projeto de um veículo de lançamentos brasileiro, desenvolvido em parceria com a Alemanha.
Se o acordo com os EUA prosperar e for aprovado pelo Congresso Nacional, existem ao menos duas empresas americanas - e uma brasileira - interessadas em explorar o centro. Nos EUA, a Vector e a Rocket Lab. atuam no mercado de nanossatélites e já demonstraram disposição de investir para fazer lançamentos a partir de Alcântara. Já no Brasil, a Avibrás, que desenvolve o motor para ser usado pelo programa espacial brasileiro, tem interesse em explorar o mesmo nicho.
A última tentativa para o uso de Alcântara para o lançamento de satélites ocorreu no projeto Cyclone 4, quando o Tesouro investiu quase R$ 500 milhões para lançar da base no Maranhão um foguete europeu. Como o projeto não se mostrou viável comercialmente e tecnicamente, todo o dinheiro foi para o ralo e o programa foi cancelado em 2015. O Brasil, agora, tenta negociar com os ucranianos uma equação para liquidar a empresa criada para administrar a empreitada fracassada.
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